23/06/2015

As Contribuições de Bardin para a Análise de Conteúdo

As Contribuições de Bardin para a Análise de Conteúdo[1]
     Edvaldo Sant´Ana Lourenço[2]            
    Ludmila Ferreira Tristão Garcia[3]
    Rafaela Emily Tadeu de Araújo[4]

Resumo
 O presente artigo tem como principal objetivo apresentar importantes esclarecimentos sobre a metodologia que visa tratar e analisar informações em pesquisas científicas, intitulado por análise de conteúdo. Inicialmente o estudo expõe reflexões acerca do contexto histórico constitutivo da metodologia, em consonância a esse, também apresenta o que de fato se concretiza como análise de conteúdo. Em seguida, o estudo contribui para o conhecimento do método descritivo analítico que é utilizado para a análise das mensagens, apontando assim, a importância das categorias, inferências e interpretação dos dados obtidos na análise. Além disso, discute a atuação das técnicas dessa metodologia relacionadas à área tecnológica/informática, e por fim propõe questionamentos sobre a limitação de tal método, além de suas contribuições para pesquisa em educação.

Palavras-chave: Metodologia científica; Análise de conteúdo; Comunicação; Educação.


Abstract
This article aims to present important clarifications on the methodology that aims to treat and analyze information on scientific research, entitled by content analysis. Initially, the study presents reflections on the constitutive historical context of the methodology, in line with this, also features what actually materializes as content analysis. Then, the study contributes to the knowledge of the analytical descriptive method that is used for the analysis of the messages, pointing thus the importance of the categories, inferences and interpretation of data obtained in the analysis. Further, it discusses the performance of the techniques of this methodology related to the technological area / computer, and finally proposes questions about the limitations of such a method, as well as his contributions to educational research.

Key words: Scientific Methodology; Content Analysis; Communication; Education.


Contextualizando a Análise de Conteúdo


Entre as diversas técnicas utilizadas no ambiente acadêmico para a concretização de um projeto de pesquisa pode-se citar: na área da ciência - pesquisa teórica, pesquisa metodológica, pesquisa empírica, pesquisa prática; na natureza - trabalho científico original, resumo de assunto; nos objetivos - pesquisa exploratória, pesquisa descritiva, pesquisa explicativa; nos procedimentos: pesquisa de campo, pesquisa de fonte de papel; no objeto: pesquisa bibliográfica, pesquisa de laboratório, pesquisa de campo; na forma de abordagem: pesquisa quantitativa, pesquisa qualitativa, bem como na análise de discurso e na análise de conteúdo, podendo a mesma ser aplicada tanto a pesquisas de caráter qualitativo quanto quantitativo cada um com as suas especificidades. (MINAYO, 2007).
Triviños (1928) traz relatos de eventos que mostram a pesquisa segundo a análise de conteúdo sendo utilizada ao longo da história em diferentes países e contextos. Sendo seu nascimento nas primeiras tentativas de interpretação dos manuscritos sagrados, por meio da hermenêutica, mas que a sistematização da mesma ocorreu por volta dos séculos XVII na Suécia, XIX na França e em 1908 com Thomas, professor em Chicago, ao elaborar um quadro de valores e atitudes dos imigrantes polacos por meio de análise de materiais como jornais, cartas e autobiografias.
Outro importante marco histórico relatado por Triviños (1928) dá-se na década de 20 por ocasião da Primeira Grande Guerra Mundial, onde Leavell organiza estudos quanto as propagandas realizadas na época para divulgação de materiais de guerra. Ainda relacionando a propaganda, porém na Segunda Guerra Mundial, as disciplinas nas áreas do conhecimento como Linguística, Literatura Autobiográfica, a Psicanálise e Psicologia Clínica, fazem uso da análise de conteúdo para estudar e sistematizar a propaganda neste evento bélico.
Em 1948 o autor prossegue a descrever a importância de Berelson e Lazarfeldt quando os mesmos escrevem como se fosse um manual as regras para que de fato a análise de conteúdo se efetivasse. Berelson (1954) apud Bardin (2011, p. 18) traz uma importante definição para a análise de conteúdo, sendo ela “uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”.
Várias conferências seguiram e marcaram discussões importantes de pesquisadores com o intuito de definir regras, princípios, métodos quanto à análise de conteúdo, por exemplo, na Conferência de Alberton em 1955 em Illinois.
 Todo esse contexto histórico concretiza-se como forte estrutura para a construção conceitual da análise de conteúdo, que sem dúvidas permitirá afirmar que a mesma configura-se como um conjunto de técnicas de interpretação que se baseia na formulação de categorias, tornando-se estas o arcabouço para a investigação de idéias, mensagens nas comunicações de massas.
A comunicação é elemento essencial para que o homem possa estabelecer relação social. O homem é um ser social. Nesse sentido, para estabelecer uma relação se faz necessário a presença do emissor e do receptor que fazendo uso de signos, sinais devidamente organizados. Toda comunicação é realizada por meio de uma mensagem que precisa ser contextualizada e transmitida com acuidade sem erros e ruídos.
O emissor é aquele que emite uma mensagem, o receptor é quem recebe a mensagem. A mensagem por sua vez é o conjunto de informações que são transmitidas pelo canal de comunicação que pode se dar pelo meio concreto pelo qual a mensagem é transmitida, seja voz, livro, revista, emissora de TV, jornal e computador.
O conteúdo dessa mensagem estabelecida entre emissor e receptor é objeto da análise de conteúdo aqui problematizada. Inicialmente essa investigação com suporte nessa técnica se  constituirá de forma objetiva, sistemática e quantitativa, contudo, com a evolução das discussões sobre este método na década de 50 ela também passa a adquirir um caráter qualitativo. E nessa perspectiva a análise de conteúdo permite a realização de inferências por meio de teorias previamente conhecidas na condução da aplicação do método.
Quando se fala de análise de conteúdo, sem dúvida, o marco em termos de definição de critérios e etapas para a aplicação desta técnica de pesquisa é a autora Laurence Bardin, professora-assistente de Psicologia na Universidade de Paris V, cuja publicação mais notável é “L'analyse de contenu” de 1977. Bardin apresenta como berço da análise de conteúdo os Estados Unidos há mais de meio século atuando de forma instrumental na análise das comunicações.
Em sua obra Bardin (2011) sistematiza as fases da análise de conteúdo sendo elas divididas em três polos que são seguidos por ordem cronológica, ou seja, passos norteadores para a concretização desta técnica de pesquisa, sendo eles: primeiramente a pré-análise; em segundo lugar a exploração do material; em terceiro o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A seguir será detalhado cada um destes pólos com o intuito de melhor entendimento e apropriação da análise de conteúdo.

Descrição Analítica do Método de Análise de Conteúdo
A Pré-análise


Segundo Bardin (2011, p.15), a análise do conteúdo é um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos) extremamente diversificados. Como estratégia metodológica, a autora apresenta a pré-analise.
Bardin (2011) explica que na pré-análise é onde ocorrerá toda a organização de ideias iniciais que sucederão o plano ou projeto de análise do material pesquisado, na qual alguns objetivos e metas devem ser traçados como: “a escolha dos documentos a serem analisados; a formulação das hipóteses e dos objetivos; e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final”.
Para a autora em questão, inicialmente se faz necessário a realização de uma “leitura flutuante”, nome utilizado para designar a tarefa de ter um primeiro contato com os documentos a serem analisados. Conceitualmente Bardin (2011) diz que a leitura flutuante  “É uma leitura que pouco a pouco vai se tornando mais precisa, em função das hipóteses que vão surgindo, em função das projeções teorias que podem ser adotadas ao material, ou da possível aplicação de técnicas.” (Bardin, p.126).
Ainda na composição da pré-análise têm-se a constituição do corpus da pesquisa, sendo este “[...] o conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos. A sua constituição implica, muitas vezes, escolhas, seleções e regras” (Bardin, p.126). Com o intuito de compor o corpus da pesquisa o pesquisador na escolha dos documentos deverá recorrer ao que Bardin nomeia de regras da composição do corpus, assim a autora define quatro regras, são elas: regra da exaustividade, regra da representatividade, regra da homogeneidade e regra da pertinência
A regra da exaustividade consiste em analisar o máximo de materiais existentes para análise de determinada temática/assunto escolhido, além disso, não se deve omitir nada, esta regra também é complementada pela não seletividade.
Em seguida na regra de representatividade seleciona-se uma amostra do material que melhor represente a sua totalidade.
Enquanto que, a regra da homogeneidade os documentos escolhidos precisam seguir a mesma ordem de critérios, para que os dados coletados não passem por seleções distintas, ou seja, os dados devem referir-se ao mesmo tema, serem obtidos por técnicas iguais e colhidos por indivíduos semelhantes.
E por fim a regra de pertinência que indica que os documentos selecionados devem ir de encontro com o objetivo e conteúdo da pesquisa em análise.
Após explorar como deve se dar a escolha dos documentos Bardin (2011) explica como proceder na formulação das hipóteses e dos objetivos. Para tanto ela inicia com as definições de hipótese e objetivo, assim elucidadas:


Uma hipótese é uma afirmação provisória que nos propomos a verificar (confirmar ou informar), recorrendo aos procedimentos de análise. Trata-se de uma suposição cuja origem é a intuição e que permanece em suspenso enquanto não for submetida à prova de dados seguros. O objetivo é a finalidade geral a que nos propomos (ou que é fornecida por uma instância exterior), o quadro teórico e/ou pragmático, no qual os resultados obtidos serão utilizados. (BARDIN, p. 128, 2011).


            Elaboradas as hipóteses e os objetivos passa-se a referenciação dos índices e a elaboração de indicadores que terão a função de facilitar a operação de comparação entre as unidades escolhidas como recorte do texto para compreensão do assunto em análise.
            Posteriormente a elaboração dos indicadores, a etapa da pré-análise passará a ser composta pela a preparação do material, por exemplo, após uma entrevista o pesquisador deverá digitá-la para análise, de forma que impressa em quantas cópias forem necessárias, possua espaço na folha para colocar as devidas anotações, atribuir códigos, observações, ou se escolher os meios e recursos tecnológicos, como o computador, selecionar as funções conforme programa para facilitar a análise e interpretação do material em estudo.
Cumprida estas tarefas parte-se para a próxima fase da análise de conteúdo denominada exploração do material conforme será abordada a seguir.


Exploração do material


            Para exploração do material Bardin (2011) conta com algumas operações essenciais para a sua efetivação, sendo estas: a codificação e a decomposição ou enumeração. Para Holsti apud Bardin (2011, p. 133) a codificação refere-se a: (...) processo pelo qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes do conteúdo.
            Desta forma, na codificação faz-se um recorte dos dados brutos em pequenas unidades que expressam as ideias essenciais do assunto abordado, além da enumeração destas unidades, e a classificação e agregação por meio da escolha de categorias para as unidades em análise.
CAVALCANTE, CALIXTO, PINHEIRO (2007 apud, Minayo, 2014) corrobora a idéia de Bardin, e também afirma que nesta fase o investigador busca encontrar categorias, redução do texto às palavras e expressões significativas em função das quais o conteúdo de uma fala será organizado. Em síntese, esta é uma fase essencialmente constituída em operações de codificação-recorte do texto em unidades de registro (palavras, frases, temas, personagens, acontecimentos) sendo estes relevantes para a pré-análise.


O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação


Nessa fase para Minayo (2007 apud, CAVALCANTE, CALIXTO, PINHEIRO, 2014) o pesquisador classifica e agrega os dados, escolhendo as categorias teóricas ou empíricas responsáveis pela especificação do tema. A partir daí, o analista propõe inferências e realiza interpretações, inter-relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente ou abre outras pistas em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas, sugerida pela leitura do material.
            Ainda, para que o tratamento dos resultados seja de fato válido e significativo utiliza-se as provas oferecidas pela estatística, seja ela simples como nas percentagens, ou mesmo as complexas baseadas, por exemplo, na análise fatorial. Os quadros, diagramas, figuras e modelos são alguns exemplos possíveis para representação dos dados escolhidos para interpretação e formulação de inferências quanto ao assunto a ser tratado.

A Informatização das Análises das Comunicações


Para Bardin, a informatização das análises pode apresentar uma resposta parcial e até ambígua, por isso, configura-se como um possível auxílio dentro das particularidades de uma técnica específica. Bardin (2011, p.175) destaca o uso do computador nos seguintes casos:
      A unidade da análise é a palavra, o indicador é frequencial (número de vezes em que a palavra ocorre);
      A análise complexa e comporta um grande número de variáveis a tratar em simultâneo (por exemplo: número elevado de categorias e unidades a registrar);
      Deseja-se efetuar uma análise de concorrências (aparição de duas ou várias unidades de registro na mesma unidade de contingência);
      A investigação implica várias análises sucessivas; o computador permite preparar os dados e armazená-los para usos sucessivos;
      A análise necessita, no fim da investigação, de operações estatísticas e numéricas complexas.
 Já nos casos a seguir o uso do computador pode ser inútil (Bardin, 2011. p.175):
      A análise é exploratória e a técnica não é ainda definitiva;
      A análise é única e debruça-se sobre documentos especializados;
      A unidade de codificação é grande (exemplo: discurso ou artigo) espacial ou temporal.


Análise de Conteúdo x Análise de discurso


Outra ferramenta importante é a análise de discurso, essa é uma metodologia científica de pesquisa legítima que tem como objetivo analisar e levar a reflexão a cerca das construções das relações de poder, ideologias e pode ser utilizada para explorar a proposta de pesquisa. A análise de conteúdo traz uma abordagem a cerca das informações, enquanto coleta de dados e substratos importantes presentes na mensagem que foi transmitida pelo emissor, enquanto a análise de discurso aprofunda a temática a partir de suas ideologias e mensagens ditas no não dito. Ambas são ferramentas importantes para que possam auxiliar o pesquisador na execução de suas metas e alcançar seu objetivo na pesquisa científica.

Limitações da Análise de Conteúdo


O conjunto de técnicas de análise de conteúdo apresenta algumas limitações, uma delas trata-se da incoerência entre o distanciamento do pesquisador em relação à pesquisa, principalmente pelo fato da necessidade que se tenha de uma leitura aprofundada e de proximidade em uma pesquisa qualitativa.
Outra importante limite a ser considerado é vivenciado no trabalho com a subjetividade, pois ao trabalhar com a subjetividade do sujeito a pesquisa qualitativa pode permitir em alguns momentos que a análise do observador esteja impregnada de seus pré-conceitos, o que acaba por refletir no objeto estudado.
            E ainda é necessário pontuar que o pesquisador seja capaz de extrapolar a sua análise no que está para além do texto, para isso é preciso ter domínio das técnicas propostas na análise de conteúdo.


Considerações Finais


Tendo em vista, que o objeto de investigação da educação é o homem que educa e que é educado, ele se faz muito complexo e diverso. Assim o método da análise de conteúdo vem ao encontro de uma proposta que busca desmontar uma determinada mensagem proferida por um determinado homem multifacetado. Desse modo, em função desse homem múltiplo é possível verificar variadas e contraditórias características no mesmo, e nesse sentido, essa técnica visa compreender criticamente o sentido manifesto e oculto das comunicações imerso a esse contexto interrogativo.
Então este conjunto de técnicas tem como principal objetivo auxiliar a educação, especificamente quanto ao seu “problema” pedagógico no processo de entendimento e de construção de seu objeto de investigação- homem. Assim, com um olhar holístico enxergar o que está para além ou aquém de uma determinada mensagem, estudando fenômenos sociais atrelado ao um objeto, e conseqüentemente as suas interações.



REFERÊNCIAS

BARDIN, Lawrence. Análise de Conteúdo. Trad. Luís A. Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2011.


CAVALCANTE, Ricardo Bezerra.;CALIXTO, Pedro.;PINHEIRO, Marta Macedo Kerr, Análise de Conteúdo: considerações gerais, relações com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limitações do método. Rev. Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.1, p. 13-18, jan./abr. 2014


MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 10. ed. São Paulo: HUCITEC, 2007. 406 p.


SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico. 23ed São Paulo: Cortez: Autores Associados, 2007.


TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1997.




[1]  Artigo apresentado na disciplina Fundamentos de Pesquisa - Programa de Pós- Graduação de Educação da Universidade Federal de Uberlândia- MG.
[2] Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Graduado em Filosofia pela Faculdade Católica de Uberlândia. Educador social e gestor de projetos sociais. Tem experiência nas áreas de educação e gestão social, atuando principalmente nos seguintes temas: biopolitica, emancipação social, inclusão, empreendedorismo social, terceiro setor e responsabilidade socioambiental/ email: edvaldosalo@gmail.com
[3] Mestranda em Educação no Programa de Pós- Graduação de Educação da Universidade Federal de Uberlândia- MG- Linha: Estado, Políticas e Gestão da Educação/ email: ludmilaftgarcia@hotmail.com
[4] Mestranda em Educação no Programa de Pós- Graduação de Educação da Universidade Federal de Uberlândia- MG- Linha: Estado, Políticas e Gestão da Educação/ email: rafaelaemily@hotmail.com